O verbo se fez carne


 
A união do divino com a natureza humana é uma das mais preciosas e misteriosas verdades do plano da redenção. É dela que fala o apóstolo Paulo nestas palavras: “Sem dúvida nenhuma, grande é o mistério da piedade: Deus Se manifestou em carne.” 1 Timóteo 3:16.
 
Essa verdade tem sido para muitos causa de dúvida e incredulidade. Quando Cristo veio ao mundo — como Filho de Deus e do homem — não foi compreendido pelo povo de Seu tempo. Humilhou-Se, tomando a natureza humana para poder atingir a raça decaída e reabilitá-la. Em virtude do pecado, porém, os homens tinham o espírito obscurecido, as faculdades entorpecidas e a percepção embotada a ponto de não Lhe discernirem o caráter divino sob as vestes da humanidade. Essa falta de compreensão de sua parte foi um obstáculo à obra que Cristo Se propunha realizar em seu favor; de sorte que, para imprimir força aos Seus ensinos, precisou muitas vezes definir e defender Sua posição. Pela referência ao Seu caráter misterioso e divino, tentou dar às Suas ideias uma orientação que favorecesse a virtude reformadora da verdade.
 
De outras vezes, servia-Se dos objetos da natureza, que lhes eram familiares, a fim de ilustrar as verdades divinas. O terreno do coração era desse modo preparado para receber a boa semente. Fazia sentir aos ouvintes que Seus interesses estavam identificados com os deles e que Seu coração pulsava em simpatia por eles, nas suas alegrias e tristezas. Ao mesmo tempo, podiam observar n'Ele a revelação de um poder e excelência que muito excediam os que possuíam seus mais respeitáveis rabinos. Os ensinos de Cristo se assinalavam por uma simplicidade, dignidade e virtude até então deles desconhecidas, e sua involuntária exclamação eram estas palavras: “Nunca homem algum falou assim como este Homem.” João 7:46. O povo escutava-O com prazer; mas os sacerdotes e príncipes — que faltavam eles próprios à sua dignidade de guardiães da verdade — aborreciam a Cristo pela graça n'Ele revelada, que afastava deles as multidões para seguirem a Luz da vida. Por sua influência, a nação judaica, deixando de discernir o caráter divino de Cristo, rejeitou o Salvador.
 
A união do divino com o humano, manifestada em Cristo, se nos depara também na Bíblia. As verdades nela reveladas são inspiradas por Deus; contudo, são expressas por palavras de homens e adaptadas às necessidades humanas. Assim se poderia afirmar acerca do Livro de Deus o que se disse de Cristo, que “o Verbo Se fez carne, e habitou entre nós”. João 1:14. E esse fato, longe de constituir um argumento contra a Bíblia, deve fortalecer a nossa fé nela como a Palavra de Deus. Os que se pronunciam sobre a inspiração das Escrituras Sagradas, aceitando algumas partes como divinas, enquanto rejeitam outras como de origem humana, perdem de vista o fato de que Cristo, o divino, participou da natureza humana a fim de poder atingir a humanidade. Na obra de Deus para a redenção do homem, a divindade e a humanidade se identificaram.
 
Há muitas passagens nas Escrituras que os críticos céticos declaram não ser inspiradas, mas que, na sua excelente adaptação às necessidades dos homens, constituem as mensagens do próprio Deus para conforto de Seus filhos que nEle confiam. Uma bela ilustração desse fato ocorre na história do apóstolo Pedro. Estava preso, esperando ser executado no dia seguinte. Aquela noite dormia “entre dois soldados, ligado com duas cadeias, e os guardas diante da porta guardavam a prisão. E eis que sobreveio o anjo do Senhor, e resplandeceu uma luz na prisão; e, tocando a Pedro no lado, o despertou, dizendo: Levanta-te depressa! E caíram-lhe das mãos as cadeias”. Atos dos Apóstolos 12:6, 7. Pedro, subitamente despertado, extasiou-se com a claridade que inundava o cárcere, e a beleza celestial do mensageiro divino. Não compreendeu a cena, mas sabia que estava livre, e em seu assombro e júbilo se teria retirado da prisão sem ter o cuidado de agasalhar-se do frio ar da noite. O anjo de Deus, notando todas as circunstâncias, disse-lhe com terna solicitude pelas necessidades do apóstolo: “Cinge-te e ata as tuas sandálias.” Atos dos Apóstolos 12:8. Pedro obedeceu mecanicamente; mas, tão embevecido estava diante da revelação daquela glória celestial, que não pensou em tomar a capa. Ordenou-lhe então o anjo: “Lança às costas a tua capa e segue-me. E, saindo, o seguia. E não sabia que era real o que estava sendo feito pelo anjo, mas cuidava que via alguma visão. E, quando passaram a primeira e segunda guarda, chegaram à porta de ferro que dá para a cidade, a qual se lhes abriu por si mesma; e, tendo saído, percorreram uma rua, e logo o anjo se apartou dele.” Atos dos Apóstolos 12:8-10. Achou-se, pois, o apóstolo só nas ruas de Jerusalém. “E Pedro, tornando a si, disse: Agora sei verdadeiramente — não eram pois um sonho ou uma visão, e sim um acontecimento real — que o Senhor enviou o Seu anjo, e me livrou da mão de Herodes, e de tudo que o povo dos judeus esperava.” Atos dos Apóstolos 12:11.
 
Os céticos podem sorrir à ideia de que um anjo glorioso do Céu houvesse de dar atenção a uma coisa tão trivial como a de cuidar destas simples necessidades humanas, pondo talvez em dúvida a inspiração dessa narrativa. Mas na sabedoria divina essas coisas foram relatadas na história sagrada não para benefício dos anjos, mas em atenção aos homens, para que, quando postos em situações difíceis, encontrassem conforto na ideia de que o Céu a todos conhece.
 
Jesus declarou que nem mesmo um passarinho cai ao solo sem ser notado pelo Pai celestial, e que se Deus tem presentes as necessidades de todas essas pequenas aves, muito mais cuidará dos que se fizerem súditos de Seu reino, e que, pela fé n'Ele, se constituírem herdeiros da vida eterna. Oh, se o espírito humano pudesse ao menos compreender — na medida em que o plano da redenção pode ser apreendido por mentes finitas — a obra de Jesus em tomar a natureza humana e o que Se propõe realizar por nós com esta Sua maravilhosa condescendência, o coração dos homens se comoveria de gratidão pelo grande amor de Deus, e humildemente adorariam a divina sabedoria que delineou o mistério da graça!
 
Fonte: EGW, T5, 746-749
 


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